Quem são e como atuam os market makers na Bolsa brasileira

Você já parou para pensar no que realmente acontece quando você decide comprar ou vender uma ação, Fundo Imobiliário (FII) ou ETF na B3? Você abre seu home broker, vê um preço de compra e um preço de venda, clica, e a ordem é executada. Parece simples.
Mas, e se você quisesse vender uma ação de uma empresa menor e não houvesse nenhum comprador interessado naquele exato momento? Ou se você quisesse comprar um BDR, mas o único vendedor estivesse pedindo um preço muito acima do justo? Você ficaria “preso”, incapaz de negociar. É aqui que entra uma das figuras mais importantes e menos compreendidas da bolsa de valores: o Market Maker, ou Formador de Mercado.
Eles são os “jogadores invisíveis” que garantem que o mercado flua. São entidades que passam o dia inteiro com uma placa de “Compro” e “Vendo” pendurada no pescoço, garantindo que você sempre tenha com quem negociar.
Mas quem são eles exatamente? São robôs? Grandes bancos? Eles manipulam os preços? Como eles ganham dinheiro fazendo isso? E, o mais importante: eles ajudam ou atrapalham o pequeno investidor?
Neste guia completo, vamos desmistificar de forma simples tudo o que você precisa saber sobre os Market Makers na bolsa brasileira.
O Que É um Market Maker (Formador de Mercado) Explicado de Forma Simples
Para entender o que é um Market Maker (MM), vamos usar uma analogia.
Imagine uma feira de bairro onde se vende uma fruta exótica. Se apenas produtores e consumidores comuns fossem à feira, haveria momentos em que você quereria comprar a fruta, mas nenhum produtor teria chegado ainda. Em outros momentos, um produtor quereria vender, mas nenhum consumidor estaria interessado. O mercado seria “travado”.
Agora, imagine que existe uma “barraca central” que se compromete a:
- Sempre comprar a fruta de qualquer produtor (por R$ 9,90, por exemplo).
- Sempre vender a fruta para qualquer consumidor (por R$ 10,10, por exemplo).
Essa barraca é o Market Maker. Ela não se importa se a fruta vai estragar ou se o preço vai subir amanhã. Seu negócio é outro: ganhar os R$ 0,20 de diferença (o spread) entre o preço de compra e o de venda, fazendo isso milhares de vezes ao dia.
No mercado financeiro, o Market Maker é uma instituição (como um grande banco, uma corretora especializada ou um fundo de investimento) que assume o compromisso contratual de fornecer cotações de compra e venda para um ativo específico durante todo o pregão.
Ele é, na essência, um provedor de liquidez. Sua função não é especular se o preço vai subir ou cair, mas sim garantir que sempre exista uma oferta de compra e uma oferta de venda disponíveis no “livro de ofertas”.
A Missão Principal: Por Que a Liquidez é o Oxigênio da Bolsa de Valores?
Ouvimos essa palavra o tempo todo, mas o que é “liquidez” para o investidor leigo?
Liquidez é a facilidade com que você consegue converter um ativo (como uma ação) em dinheiro, pelo preço justo, sem perdas significativas.
Um mercado com baixa liquidez é um pesadelo. Imagine que você tem uma ação que, segundo suas análises, vale R$ 50,00. Você decide vendê-la. Ao olhar o book de ofertas, você vê:
- Melhor oferta de compra: R$ 45,00
- Melhor oferta de venda: R$ 55,00
O “buraco” (spread) entre quem quer comprar e quem quer vender é de R$ 10,00! Se você tiver uma emergência e precisar vender agora, terá que aceitar os R$ 45,00, perdendo R$ 5,00 (10%) apenas por causa da falta de liquidez.
Um mercado com alta liquidez (graças a um Market Maker) teria este visual:
- Melhor oferta de compra: R$ 49,98
- Melhor oferta de venda: R$ 50,00
Aqui, o spread é de apenas R$ 0,02. Você pode comprar ou vender a qualquer momento, muito próximo do preço justo. O Market Maker é o responsável por “fechar” esse buraco, colocando suas próprias ordens de R$ 49,98 (para comprar de você) e R$ 50,00 (para vender para você).
Sem liquidez, os investidores fogem. Ninguém quer investir em algo que não se pode vender depois. A liquidez é o que dá confiança e eficiência ao mercado.
Como o Market Maker Atua na Prática: O Jogo do Bid, Ask e Spread
O trabalho do Market Maker acontece em tempo real, no “coração” da bolsa: o Livro de Ofertas (Order Book). Para qualquer ativo, o livro mostra todas as intenções de compra e venda.
O Market Maker atua nas duas pontas simultaneamente:
- O Lado da Compra (BID): Ele posiciona uma ordem de compra grande e visível. Este é o preço que ele está disposto a pagar pelo ativo naquele instante.
- O Lado da Venda (ASK): Ao mesmo tempo, ele posiciona uma ordem de venda grande e visível. Este é o preço pelo qual ele está disposto a vender o ativo.
A ordem de compra (Bid) do MM será sempre um pouco abaixo da sua ordem de venda (Ask). Essa diferença é o Spread.
Vamos a um exemplo prático com um ETF (fundo de índice), que é um ativo que depende de Market Makers para funcionar:
- Ativo: SMAL11 (ETF que segue o índice de Small Caps)
- Preço Justo Teórico: R$ 100,00
- Ordem do MM (Bid): Compro 10.000 cotas a R$ 99,95
- Ordem do MM (Ask): Vendo 10.000 cotas a R$ 100,05
O Spread aqui é de R$ 0,10.
Se você é um investidor e quer vender suas cotas de SMAL11 imediatamente, você “agride” a ordem de compra do MM e vende para ele a R$ 99,95.
Se você quer comprar imediatamente, você “agride” a ordem de venda do MM e compra dele a R$ 100,05.
O Market Maker fica parado, sendo “agredido” pelos dois lados, comprando a 99,95 e vendendo a 100,05.
Como um Market Maker Ganha Dinheiro? Entenda o Lucro no Spread
A esta altura, você já deve ter percebido. O modelo de negócios do Market Maker não é acertar a direção do mercado; é capturar o spread.
No nosso exemplo do SMAL11:
- Um investidor vende 1.000 cotas para o MM a R$ 99,95. O MM paga R$ 99.950,00.
- Um segundo depois, outro investidor compra 1.000 cotas do MM a R$ 100,05. O MM recebe R$ 100.050,00.
Lucro da operação: R$ 100,00.
Pode parecer pouco, mas o Market Maker não faz isso uma vez. Ele faz isso milhões de vezes por dia, em centenas de ativos diferentes, usando robôs de altíssima velocidade. É um negócio de volume gigantesco e margem minúscula.
O objetivo dele é terminar o dia “zerado” (sem ações em carteira), tendo apenas embolsado os centavos de spread em todas as transações. Ele busca ser neutro ao risco de mercado. Se a ação SMAL11 subir para R$ 110,00, ele não ganha com a alta; ele apenas ajustará suas ordens para (por exemplo) R$ 109,95 e R$ 110,05, continuando a ganhar o spread de R$ 0,10.
Market Makers São Legais? A Regulação Pela CVM e B3
Essa é uma dúvida muito comum. A resposta é: Sim, eles não são apenas legais, são essenciais e incentivados pela B3 e pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Eles não são agentes “secretos” ou “manipuladores” (embora a manipulação seja um crime que pode ser praticado por qualquer agente, incluindo MMs, e é duramente combatida). Eles são instituições cadastradas e com um contrato formal.
Esse contrato, chamado de “Programa de Formador de Mercado”, estabelece obrigações rígidas:
- Obrigação de Cotação: O MM deve manter suas ordens de compra e venda no book durante um percentual mínimo do pregão (ex: 95% do tempo).
- Spread Máximo: Ele não pode colocar qualquer preço. O contrato estipula o “buraco” máximo permitido. (Ex: o spread do SMAL11 não pode passar de R$ 0,20). Isso o impede de abusar da sua posição.
- Quantidade Mínima: As ordens do MM devem ter um tamanho financeiro mínimo (ex: R$ 50.000,00), garantindo que investidores possam negociar um volume relevante.
E qual a vantagem para eles? Em troca de cumprir essas regras e fornecer liquidez, a B3 oferece a eles um grande incentivo: descontos nas taxas de negociação (emolumentos). Como eles operam um volume gigantesco, essa redução de custo é vital para seu modelo de negócios.
Quem Contrata um Market Maker e Por Quê?
Nem todo ativo precisa de um Market Maker. Ações como PETR4 ou VALE3 têm tanta negociação “natural” de pessoas e fundos que a liquidez é abundante.
Os Market Makers são vitais para ativos específicos:
- Gestoras de ETFs e Fundos: Quando uma gestora (como a BlackRock ou o Itaú) lança um ETF (ex: BOVA11, IVVB11), ela precisa garantir que o preço do ETF na B3 siga de perto o preço do índice ou ativo que ele replica. Ela contrata um MM para fazer essa “arbitragem” e garantir liquidez.
- Empresas (Especialmente Pós-IPO): Uma empresa que acabou de abrir seu capital (IPO) ou tem ações com pouca negociação (Small Caps) contrata um MM. Isso torna sua ação mais atraente para grandes fundos de investimento, que só podem comprar papéis com liquidez mínima.
- Emissores de BDRs: Para que você possa comprar um “pedaço” da Apple (AAPL34) ou do Google (GOGL34) aqui no Brasil, um MM é contratado para garantir que o preço do BDR aqui esteja sempre “linkado” ao preço da ação original lá nos Estados Unidos, ajustado pelo câmbio.
- A própria B3: A bolsa pode incentivar programas de MM para novos mercados ou produtos que ela queira desenvolver, como o mercado de opções ou de FIIs menos líquidos.
As Ferramentas de Trabalho: Robôs, Algoritmos e HFT (High-Frequency Trading)
Nenhuma dessas operações é feita manualmente por um ser humano clicando no mouse. O trabalho dos Market Makers é domínio da tecnologia de ponta.
Eles utilizam robôs de investimento (algoritmos) extremamente sofisticados e HFT (High-Frequency Trading), que significa “Negociação de Alta Frequência”.
Esses sistemas são capazes de:
- Monitorar Milhares de Ativos: Eles “leem” o livro de ofertas, notícias, e até mesmo o mercado em outros países (no caso de BDRs) em microssegundos.
- Executar Ordens: Podem enviar, cancelar e modificar milhões de ordens por dia.
- Gerenciar Risco: Seus algoritmos são programados para tentar ficar o mais “neutro” possível, comprando e vendendo quase que instantaneamente para não carregar o risco do ativo “dormir em carteira”.
É uma guerra tecnológica. Os MMs competem entre si pela velocidade de suas conexões com a B3 (co-location) e pela inteligência de seus algoritmos.
Os Riscos do Formador de Mercado: Nem Tudo São Flores
Embora o modelo de negócios pareça “dinheiro fácil” (ganhar o spread), ele é extremamente arriscado. O maior inimigo do Market Maker é o Risco de Inventário (ou Risco de Estoque).
Lembre-se: o MM se compromete a sempre comprar.
Imagine que ele comprou 100.000 ações de uma empresa a R$ 20,00, esperando vendê-las a R$ 20,02.
De repente, sai uma notícia-bomba (um escândalo de corrupção, uma mudança regulatória) e o mercado entra em pânico.
Todos os investidores correm para vender, e ninguém quer comprar.
O MM é obrigado por contrato a continuar comprando (pelo menos até certo ponto). Mas agora, ninguém mais quer comprar dele a R$ 20,02. O preço despenca para R$ 18,00. Aquele “estoque” de ações que ele comprou a R$ 20,00 agora vale muito menos.
Em dias de altíssima volatilidade ou “flash crashes”, os Market Makers podem ter prejuízos gigantescos. Eles ganham centavos na maioria dos dias, mas podem perder milhões em um único dia ruim.
Diferenças Cruciais: Market Maker vs. Corretora vs. Especulador (Trader)
É fundamental para o leigo não confundir esses papéis:
Papel | Market Maker (Formador de Mercado) | Corretora de Valores | Especulador (Trader) |
Objetivo | Ganhar o spread (diferença) entre compra e venda. | Ganhar corretagem ou comissão pelo serviço. | Ganhar com a mudança de preço (comprar barato e vender caro). |
Como Atua | É a contraparte. Ele compra de você ou vende para você. | É a intermediária. Ela leva sua ordem até a bolsa. | É um participante. Ele envia sua ordem através da corretora. |
Relação com o Preço | Busca estabilidade. Não quer que o preço se mova rápido. | É neutra ao preço. Apenas executa a ordem do cliente. | Busca movimento. Quer que o preço vá na direção que ele apostou. |
Risco | Risco de Inventário (ficar com o ativo “na mão” na hora errada). | Risco Operacional e de Crédito (se o cliente não pagar). | Risco de Mercado (apostar na direção errada e perder dinheiro). |
O Impacto para o Pequeno Investidor: Market Makers Ajudam ou Atrapalham?
Esta é a pergunta de ouro. Para o investidor de longo prazo (Buy and Hold) e até para o swing trader, o Market Maker é, na esmagadora maioria das vezes, um grande aliado.
Por que eles ajudam:
- Garantia de Saída (e Entrada): Você nunca ficará “preso” em um ativo que tenha um MM. Você sempre saberá que pode vender suas posições a um preço justo, a qualquer hora.
- Redução de Custo (Spread Menor): A competição entre MMs “esmaga” o spread. Sem eles, o custo para comprar e vender seria muito maior, pois o “buraco” entre a melhor compra e a melhor venda seria enorme.
- Preço Justo: Eles ajudam a manter os preços dos ativos (especialmente ETFs e BDRs) alinhados com seus valores teóricos, evitando distorções.
Onde eles (aparentemente) atrapalham:
O único “prejudicado” pela existência dos Market Makers é o scalper (um tipo de day trader que tenta ganhar com movimentos de pouquíssimos centavos). É impossível para um ser humano competir com a velocidade dos robôs HFT dos MMs.
Mas para 99,9% dos investidores, que olham para o médio e longo prazo, os MMs tornam o mercado mais barato, seguro e eficiente.
Os Motores Silenciosos do Mercado
Os Market Makers são os “encanamentos” da bolsa de valores. Ninguém pensa neles quando abre a torneira, mas sem eles, a água (liquidez) simplesmente não chegaria.
Eles são instituições financeiras altamente tecnológicas que assumem a obrigação (e o risco) de estar sempre dispostas a comprar e a vender ativos específicos. Eles não são especuladores; são provedores de serviço. Seu lucro vem de um volume massivo de pequenas transações, capturando a diferença mínima entre o preço de compra e o de venda.
Para o investidor leigo, a presença de um Formador de Mercado em uma ação, FII ou ETF é um selo de qualidade. Significa que você está investindo em um ativo com “porta de entrada” e “porta de saída” garantidas, pagando um preço justo por isso.
Da próxima vez que você executar uma ordem de um BDR ou de um ETF de baixa liquidez, saiba que, do outro lado da tela, há um algoritmo sofisticado de um Market Maker garantindo que seu negócio aconteça.