O que acontece se você não declarar seus investimentos
A temporada de Imposto de Renda (IRPF) é um período de ansiedade para muitos brasileiros. E para quem começou a investir, o medo se multiplica. São tantas siglas (CDB, LCI, FII, JCP, DARF), regras e fichas no programa da Receita Federal que a tentação de “deixar para lá” é enorme.
Muitos pensam: “É muito pouco dinheiro”, “Não tive lucro, então não preciso declarar”, ou o mais perigoso de todos: “Como a Receita Federal vai saber?”.
Se você já teve algum desses pensamentos, este artigo é um alerta crucial. Não declarar seus investimentos é uma das piores decisões financeiras que você pode tomar. O que começa como uma “pequena omissão” pode rapidamente se transformar em uma bola de neve de multas, juros e, o pior de tudo, o bloqueio do seu CPF.
Este guia completo foi feito para leigos. Vamos desmistificar o que acontece, por que não há como se esconder do “Leão” e, o mais importante, o que fazer se você está irregular.
O “Big Brother” Financeiro: Por Que a Receita Federal Já Sabe Tudo Sobre Você?

Antes de entrarmos nas punições, vamos derrubar o principal mito: Não existe a menor chance de “esconder” seus investimentos da Receita Federal.
A era do “só declaro se eu quiser” acabou há muito tempo. Hoje, a Receita opera um dos sistemas de cruzamento de dados mais sofisticados do mundo. Ela não espera você contar o que tem; ela já tem as informações e espera que você apenas confirme os dados que ela recebeu.
Veja quem são os “dedos-duros” que contam tudo para o Leão:
- Bancos e Corretoras (DIRF e e-Financeira):
- Seu banco ou corretora é obrigado a enviar a DIRF (Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte). Nela, eles informam à Receita todos os rendimentos que você teve, como lucros em fundos, Juros sobre Capital Próprio (JCP) e até os rendimentos isentos da LCI/LCA.
- Além disso, a e-Financeira é uma declaração monstruosa onde os bancos informam toda a movimentação financeira dos clientes que ultrapassam certos limites (saldos em conta, aplicações, etc.).
- A Própria Bolsa de Valores (B3):
- A B3 sabe exatamente seu CPF, quais ações você comprou, quais vendeu e quando. Ela informa à Receita todas as operações, especialmente aquelas que geram imposto (como day-trade ou vendas de ações acima de R$ 20.000 no mês com lucro).
O Resumo da Ópera:
Quando você baixa o programa do IRPF e “esquece” de preencher a ficha de “Bens e Direitos” ou “Rendimentos”, o sistema da Receita não vê um espaço em branco. Ele vê um conflito.
- O Banco/Corretora disse: “O CPF 123.456.789-00 tem R$ 50.000 em CDB e R$ 10.000 em ações.”
- Você disse: “Não tenho nada.”
O sistema acende uma luz vermelha gigante e você é automaticamente separado do “bolo” dos contribuintes normais. Você acaba de ganhar um ingresso de ida para a famosa malha fina.
O Mito Fatal: “Só Declaro se Tiver Lucro” ou “Só se Vender”
Este é o segundo erro mais comum do investidor iniciante. É crucial entender a diferença entre DECLARAR e PAGAR IMPOSTO.
- Declaração de POSSE (Ficha “Bens e Direitos”):
- Você deve declarar o saldo de todos os seus investimentos (Tesouro Direto, CDBs, Fundos, Ações) que ultrapassaram o valor mínimo (geralmente R$ 140,00 por item) em 31/12.
- Isso é como tirar uma “foto” do seu patrimônio. Você está apenas informando a posse. Não há imposto sobre isso.
- Declaração de RENDIMENTO (Fichas “Rendimentos Isentos” e “Tributação Exclusiva”):
- Você deve declarar tudo o que seu investimento rendeu, mesmo que seja isento de imposto.
- Exemplo: O aluguel do seu Fundo Imobiliário (FII) é isento, mas você deve declará-lo na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”.
- Exemplo 2: O lucro do seu CDB é tributado na fonte (o banco já recolheu), mas você deve declará-lo em “Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva”.
Não declarar a posse (o saldo) ou os rendimentos isentos é o que gera a maioria das pendências, pois a Receita vê a informação do banco e não encontra a sua contrapartida.
Quem é Obrigado a Declarar Investimentos no Imposto de Renda 2026?
As regras de obrigatoriedade mudam, mas a lógica para investimentos é clara. Você é obrigado a entregar a declaração se, no ano anterior (2025):
- Recebeu renda tributável (salário, aluguel) acima do teto (ex: R$ 30.639,90).
- Recebeu rendimentos isentos (poupança, dividendos, LCI/LCA) acima do teto (ex: R$ 200.000).
- Tinha bens e direitos (casas, carros, e investimentos) cujo valor total era superior ao teto (ex: R$ 800.000).
- REGRA DE OURO DA BOLSA: Realizou operações de venda na Bolsa de Valores (ações, FIIs, etc.) cuja soma total foi superior a R$ 40.000 no ano.
- REGRA DE OURO 2: Obteve lucro com a venda de ativos na Bolsa que teve incidência de imposto (como vendas de ações acima de R$ 20.000 no mês, ou qualquer lucro com Day-Trade e FIIs).
Atenção: A regra antiga de que “R$ 1,00 comprado na Bolsa já obriga a declarar” MUDOU. Agora, o que importa são os R$ 40.000 em vendas ou o lucro com imposto. Isso facilitou a vida de quem só comprou e não vendeu (o famoso “buy and hold”).
O Que Acontece Exatamente se Você Não Declarar? A Escalada das Consequências

Ok, você não declarou. O que acontece agora? O processo não é imediato, mas ele é implacável e segue uma escalada de gravidade.
Nível 1: A Malha Fina (O “Aviso Amigável”)
Este é o primeiro estágio. Sua declaração (ou a falta dela) apresentou inconsistências.
- O que acontece: Você não recebe sua restituição (se tiver direito). Ao consultar o portal e-CAC (o centro de atendimento virtual da Receita), você verá uma “Pendência de Malha”.
- O que é? É a Receita dizendo: “Ei, notei um problema aqui. Confirmei com o seu banco e os dados não batem. Você pode, por favor, corrigir isso?”.
- O que fazer? Este é o seu momento de ouro. Você deve fazer uma Declaração Retificadora. Você basicamente preenche a declaração de novo, desta vez com os dados corretos dos investimentos, e a envia.
- Penalidade: Se você fizer isso antes de receber uma notificação oficial (um auto de infração), a penalidade é branda. Se houver imposto a pagar, você pagará o imposto devido + juros (Taxa Selic) + uma multa de mora (0,33% ao dia, limitada a 20%). Se não houver imposto a pagar (era só omissão de saldo), você talvez nem tenha multa, ou apenas a multa por atraso (se entregou fora do prazo).
Este é o melhor cenário. Você levou um “puxão de orelha”, mas resolveu o problema.
Nível 2: A Notificação de Lançamento (A “Conta Chegou”)
Este é o que acontece se você ignora a malha fina. Você não retificou, não deu satisfação. O Leão perde a paciência.
- O que acontece: A Receita Federal “desiste” de você e formaliza a cobrança. Ela emite uma Notificação de Lançamento ou Auto de Infração.
- O que é? É a Receita dizendo: “Ok, já que você não quis corrigir o erro que eu apontei, eu mesmo fiz os cálculos. Você me deve X em impostos, mais Y em multas.”
- Penalidade (A Multa de Ofício): Aqui a dor começa. A Receita Federal aplicará a chamada Multa de Ofício, que é de 75% sobre o valor TOTAL do imposto devido.
Exemplo Prático da Multa de 75%:
- Você teve um lucro de R$ 20.000 com vendas de FIIs em 2024.
- O imposto devido era de 20%, ou seja, R$ 4.000 (que você deveria ter pago via DARF).
- Você não declarou. A Receita te pegou.
- Você pagará:
- O imposto devido: R$ 4.000
- Juros Selic sobre o valor (digamos, R$ 500)
- Multa de Ofício (75% de R$ 4.000): R$ 3.000
- Total da sua “economia”: R$ 7.500, quase o dobro do imposto original.
Nível 3: O CPF Irregular (A “Morte Financeira” do Dia a Dia)
Esta é, para muitos, a pior consequência, pois afeta sua vida imediatamente. Se você não entrega a declaração (omissão total) ou se recusa a pagar as multas, a Receita Federal coloca uma restrição no seu bem mais precioso: seu CPF.
Seu status muda de “Regular” para “Pendente de Regularização” (por falta de entrega da declaração) ou “Suspenso” (por dados incorretos).
O que acontece na prática com um CPF irregular?
- Contas Bancárias: Você fica impedido de abrir ou movimentar contas. Seu gerente pode bloquear seu acesso.
- Crédito: Você não pode pedir nenhum tipo de empréstimo ou cartão de crédito. (Adeus, financiamento da casa ou do carro).
- Passaporte e Concursos: Você não pode tirar ou renovar passaporte, nem tomar posse em concurso público.
- Venda de Imóveis: Não consegue vender uma propriedade.
- Receber Prêmios: Ganhou na loteria? Você não pode receber o prêmio.
Seu CPF é a chave da sua vida financeira. Perdê-lo é ser excluído do sistema. Esta é uma consequência direta de ignorar o Leão.
Nível 4: O Cenário Extremo – Acusação de Sonegação Fiscal
Aqui saímos da esfera administrativa (multa) e entramos na esfera criminal. Isso acontece quando a Receita entende que não foi um “erro” ou “esquecimento”, mas sim uma ação deliberada e fraudulenta para enganar o fisco.
- O que é? Usar “laranjas”, criar empresas de fachada, falsificar documentos ou mentir repetidamente para esconder patrimônio e lucros.
- Penalidade: Sonegação fiscal é crime previsto na Lei nº 8.137/90, com pena de reclusão de 2 a 5 anos, e multa.
- Isso vale para o leigo? É muito raro. Para o investidor comum que “esqueceu” de declarar um FII ou um CDB, a Receita tratará como um problema administrativo (Níveis 1 e 2). Mas a omissão repetida, ano após ano, de grandes valores, pode sim levantar suspeitas de dolo e levar a uma investigação mais séria.
“Nunca Declarei e Estou em Pânico”. Como Regularizar a Situação?

Se você leu até aqui e está suando frio, respire. Tudo tem solução. E regularizar a situação por conta própria é sempre mais barato do que ser pego pela Receita.
Se você está irregular há anos, este é seu plano de ação:
1. Entenda o Prazo do Leão (Decadência):
A Receita Federal tem um prazo de 5 anos para cobrar impostos e multas sobre declarações não feitas ou feitas com erro. Isso significa que, hoje (final de 2025), você precisa se preocupar com as declarações de 2020 (ano-base 2019) em diante.
2. A Caça aos Documentos:
Você precisa levantar os Informes de Rendimentos de todos os seus bancos e corretoras dos últimos 5 anos. Eles são a fonte de 99% dos dados que você precisa. Quase todas as instituições deixam isso disponível na área logada do site ou app.
3. Baixe os Programas (Anteriores):
Você terá que preencher as declarações de todos os anos que faltam. Entre no site da Receita Federal e baixe os programas do IRPF de cada ano (2024, 2023, 2022, etc.).
4. Preencha e Envie (Em Ordem):
Comece pela declaração mais antiga (ex: 2020) e venha para a mais recente. Preencha tudo com base nos Informes de Rendimentos.
5. A Hora de Pagar (As Multas):
Ao enviar cada declaração em atraso, o próprio programa vai gerar uma notificação e, em seguida, um DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais).
- Multa por Atraso: Você pagará a multa mínima por atraso na entrega, que é de R$ 165,74 por ano de declaração (se não houver imposto a pagar).
- Imposto Devido: Se em algum daqueles anos você teve imposto a pagar (ex: lucro em ações) e não pagou, o sistema calculará o valor original + juros Selic (que podem ser altos).
O Conselho de Ouro:
Se você olha para essa lista e se sente sobrecarregado (especialmente se teve muitas operações na bolsa), não hesite: contrate um contador. O que você pagará pelos honorários dele será muito menor do que as multas por tentar fazer sozinho e errar de novo.
Transparência é o Melhor Investimento
No jogo contra o Leão, a transparência não é uma opção, é a única estratégia vencedora. Não declarar seus investimentos em 2026 não é uma “esperteza”, é uma “autodenúncia” de que você está em conflito com os dados que a Receita já possui.
O sistema é desenhado para pegar omissões. E ele pega.
As consequências são reais e vão muito além da multa: um CPF irregular pode travar sua vida financeira, impedir a compra de um imóvel, a obtenção de um empréstimo ou a movimentação da sua própria conta.
O custo de fazer o certo – que, muitas vezes, é zero, já que a maioria dos rendimentos é isenta ou já foi retida na fonte – é infinitamente menor do que o custo de corrigir o erro. Organize seus informes, preencha sua declaração e, acima de tudo, durma em paz.