Como funciona o processo de IPO na prática
Quando ouvimos que uma empresa “tocou a campainha” na Bolsa de Valores, estamos vendo apenas o último segundo de uma maratona que pode ter durado anos. O IPO (Initial Public Offering, ou Oferta Pública Inicial) é um dos eventos mais glamourizados e, ao mesmo tempo, mais complexos do mundo corporativo.
Para o investidor iniciante, o IPO representa a chance de ser sócio de uma grande marca desde o “dia zero” na bolsa. Para a empresa, é a oportunidade de captar bilhões para crescer. Mas o que acontece nos bastidores? Quem define o preço da ação? Por que algumas ações disparam na estreia enquanto outras despencam?
Neste artigo definitivo, vamos desvendar a “caixa preta” do IPO. Você entenderá cada etapa do processo, os riscos ocultos da “flipagem” e como analisar se vale a pena entrar em uma oferta pública. Prepare-se para dominar o assunto.
O Que é IPO e Por Que as Empresas Fazem Isso?

Antes de entrar na burocracia, precisamos entender a motivação. Uma empresa privada tem donos definidos (sócios fundadores ou fundos de Private Equity). Quando ela decide fazer um IPO, ela está convidando o público em geral para se tornar sócio.
Mas por que dividir o bolo?
Basicamente, existem dois motivos gigantescos que impulsionam um IPO, e eles definem o tipo de oferta que chegará até você:
1. Dinheiro para o Caixa (Oferta Primária)
Na Oferta Primária, a empresa emite novas ações. O dinheiro arrecadado com a venda vai direto para o caixa da companhia.
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Objetivo: Financiar expansão, construir fábricas, adquirir concorrentes ou pagar dívidas.
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Para o investidor: É um sinal positivo de crescimento. Você está dando dinheiro para a empresa investir nela mesma.
2. Dinheiro para os Sócios (Oferta Secundária)
Na Oferta Secundária, os sócios atuais (fundadores ou investidores antigos) vendem parte de suas ações para o público. O dinheiro não vai para a empresa, vai para o bolso de quem vendeu.
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Objetivo: Dar “saída” (liquidez) para quem investiu no começo e quer realizar o lucro.
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Para o investidor: Exige atenção. Se os donos estão vendendo tudo o que podem, será que eles não acreditam mais no futuro do negócio?
A maioria dos IPOs é mista: uma parte do dinheiro vai para a empresa (primária) e outra parte para os sócios (secundária).
O Passo a Passo do Processo de IPO: Dos Bastidores ao Pregão
O caminho até a B3 (Bolsa do Brasil) ou NYSE (Nova York) é longo e caro. Vamos dividir essa jornada em fases cronológicas.
Fase 1: A Preparação e o “Banho de Loja”
Meses (ou anos) antes de anunciar o IPO, a empresa precisa “se arrumar”. Isso envolve transformar uma Ltda. em uma S.A. (Sociedade Anônima), criar um conselho de administração, auditar balanços financeiros e implementar regras rígidas de Compliance e Governança Corporativa.
É aqui que entram os Bancos de Investimento (Underwriters). A empresa contrata instituições como BTG Pactual, XP, JP Morgan ou Itaú BBA para coordenar a oferta. Eles serão os “padrinhos” do IPO.
Fase 2: O Pedido na CVM e o Prospecto
A empresa precisa pedir autorização para a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que é a “polícia” do mercado no Brasil.
O documento mais importante nasce aqui: o Prospecto.
O Prospecto é um documento de centenas de páginas (muitas vezes mais de 500) que detalha TUDO sobre a empresa: riscos do negócio, salários dos diretores, processos judiciais, dívidas e o que será feito com o dinheiro.
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Dica de Ouro: Nunca invista em um IPO sem ler a seção “Fatores de Risco” do prospecto. É lá que a empresa é obrigada a contar o que pode dar errado.
Fase 3: O Roadshow (A Turnê de Vendas)
Com o prospecto preliminar em mãos, os diretores da empresa e os bancos viajam (física ou virtualmente) para apresentar a companhia aos “tubarões”: grandes fundos de investimento, gestoras de patrimônio e investidores estrangeiros.
O objetivo é convencer esses grandes players de que a empresa é um bom negócio. O feedback recebido aqui é crucial para definir se o mercado está interessado ou não.
Fase 4: O Bookbuilding (A Formação do Preço)
Esta é a parte mais curiosa. Quem define o preço da ação não é a empresa sozinha, é o mercado.
Durante o Bookbuilding (construção do livro), os investidores institucionais dizem: “Eu tenho interesse em comprar X milhões de ações se o preço for R$ 15,00”.
A empresa define uma Faixa Indicativa de Preço (ex: entre R$ 10,00 e R$ 13,00).
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Se a demanda for muito alta, o preço pode sair no teto (R$ 13,00) ou até acima.
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Se a demanda for fraca, o preço pode sair no piso (R$ 10,00) ou o IPO pode ser cancelado.
O Investidor de Varejo no IPO: Como Você Entra?

Enquanto os grandes fundos negociam no Bookbuilding, nós, meros mortais (investidores de varejo), participamos através do Período de Reserva.
Como Fazer a Reserva
Você entra no aplicativo da sua corretora, vai na aba “Ofertas Públicas” e sinaliza: “Quero reservar R$ 5.000,00 no IPO da Empresa X”.
Você também deve definir o Preço Máximo que aceita pagar.
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Se o preço final do Bookbuilding ficar acima do seu máximo, sua reserva é cancelada automaticamente e você não gasta nada.
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Se ficar abaixo ou igual, você entra no jogo.
O Pesadelo do Rateio
Se o IPO for um sucesso absoluto e houver mais gente querendo comprar do que ações disponíveis, acontece o Rateio.
Imagine que a demanda foi 10 vezes maior que a oferta. Se você reservou R$ 10.000,00, pode acabar levando apenas R$ 1.000,00 em ações. O restante do dinheiro volta para sua conta.
Isso é comum em IPOs “hypados”. Por isso, alguns investidores tentam inflar a reserva para garantir uma fatia maior, uma estratégia arriscada que explicaremos adiante.
O “Lock-up Period”: A Armadilha para os Sócios Antigos
Você já pensou no risco de comprar uma ação no IPO e, no dia seguinte, o dono da empresa vender tudo o que tem, derrubando o preço?
Para evitar isso, existe o Lock-up.
É uma cláusula contratual que proíbe os sócios originais, diretores e investidores pré-IPO de venderem suas ações por um período determinado (geralmente 180 dias) após a estreia na bolsa.
Isso garante que eles estejam alinhados com os novos acionistas e não abandonem o barco imediatamente.
Flipagem: A Estratégia de Alto Risco e Alto Retorno
Muitos investidores entram no IPO não para serem sócios, mas para especular. Isso se chama Flipagem.
O “Flipper” é o investidor que reserva as ações no IPO e vende tudo logo na abertura do primeiro dia de negociação.
A Lógica da Flipagem
A ideia é aproveitar a “euforia da estreia”. Se a ação foi precificada a R$ 10,00 no IPO e o mercado está muito otimista, ela pode abrir o pregão sendo negociada a R$ 11,50 ou R$ 12,00. O Flipper vende, embolsa 15% ou 20% de lucro em um dia e sai fora.
Os Riscos Envolvidos
A flipagem não é dinheiro fácil.
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A ação pode cair: Se o IPO foi precificado caro demais, a ação pode abrir caindo. O exemplo clássico é o IPO do Facebook em 2012 (que caiu nos primeiros meses) ou, no Brasil, diversos IPOs de 2021 que abriram no vermelho.
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Custos: Se você flippar, pagará Imposto de Renda de 15% a 20% sobre o lucro (dependendo se for considerado Day Trade), além de taxas da corretora.
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Rateio Inverso: Se o IPO for “micado” (ninguém quer), não haverá rateio. Você levará tudo o que reservou de uma ação ruim que provavelmente vai cair. Se o IPO for bom, haverá rateio e você levará poucas ações, diminuindo o lucro financeiro absoluto.
Casos Reais: O Que Aprender com a História Recente

Para ilustrar, vamos analisar dois cenários distintos que ocorreram no mercado.
O Sucesso: Vivara (VIVA3) em 2019
O IPO da Vivara é considerado um “case” de sucesso. A empresa precificou suas ações a R$ 24,00. Havia uma demanda real e fundamentos sólidos (marca forte, lucros consistentes). Quem entrou no IPO e segurou as ações (longo prazo) viu uma valorização expressiva nos anos seguintes, além do recebimento de dividendos. Foi um exemplo de precificação justa e boa comunicação com o mercado.
O Aprendizado: Nubank (ROXO34) em 2021
O IPO do Nubank foi histórico, com dupla listagem (Brasil e EUA). Milhões de clientes aceitaram o “pedacinho” (BDR) gratuito. A precificação foi agressiva, avaliando o banco digital como a instituição financeira mais valiosa da América Latina, superando bancos centenários como o Itaú, mesmo com lucros muito menores na época.
Resultado? Após a estreia, as ações sofreram uma correção severa, caindo mais de 50% nos meses seguintes devido ao cenário global de juros altos e à necessidade de ajuste de Valuation.
Lição: Uma empresa excelente nem sempre é um bom investimento no preço do IPO. O Valuation (quanto a empresa vale) importa muito.
As Vantagens e Desvantagens de Investir em IPOs
Vale a pena entrar na oferta inicial ou é melhor esperar?
Vantagens
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Potencial de Valorização Explosiva: Se a empresa for uma “Small Cap” promissora, você pega o crescimento desde o início.
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Acesso a Novos Setores: Muitas vezes o IPO traz setores inéditos para a bolsa (como empresas de tecnologia, saúde ou agronegócio que não tinham representantes listados).
Desvantagens
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Assimetria de Informação: A empresa e os bancos sabem muito mais sobre o negócio do que você. O vendedor sempre quer vender caro.
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Falta de Histórico: Diferente de uma Petrobras ou Vale, uma empresa nova na bolsa não tem histórico público de como a diretoria se comporta em crises.
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Volatilidade Extrema: Nos primeiros dias e meses, a ação oscila violentamente sem motivo aparente, apenas por fluxo de especulação.
O Fenômeno do “Green Shoe” (Lote Suplementar)
Você pode ler no noticiário: “A empresa exerceu o Green Shoe”. O que é isso?
É um lote extra de ações que a empresa pode vender se a demanda for muito alta. Geralmente é um acréscimo de até 15% na quantidade original ofertada.
Isso serve também como um mecanismo de estabilização de preços. O banco coordenador pode usar essas ações para evitar que o preço caia muito nos primeiros dias, atuando como comprador ou vendedor para suavizar a volatilidade.
Como Analisar um IPO Sozinho?

Não entre em um IPO apenas porque seu influenciador favorito falou ou porque “todo mundo está falando”. O efeito manada é o maior causador de prejuízos em ofertas públicas.
Antes de reservar, faça este checklist:
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Leia o Prospecto: Foque na seção “Destinação dos Recursos”. O dinheiro vai para crescer (bom) ou para pagar dívida e fundadores (alerta)?
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Compare com Concorrentes: Se a Empresa X está fazendo IPO e pede um múltiplo (Preço/Lucro) de 50x, e a concorrente dela já listada na bolsa negocia a 15x, por que a novata vale tanto a mais?
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Analise o Momento de Mercado: Em épocas de euforia (Bolsa nas máximas históricas), a qualidade dos IPOs tende a cair, pois empresas ruins aproveitam a “festa” para abrir capital. Em épocas de crise, geralmente só empresas muito boas conseguem fazer IPO.
O IPO é o nascimento de uma empresa no mercado de capitais. Pode ser o início de uma jornada de multiplicação de patrimônio para o sócio paciente, ou uma armadilha de liquidez para o especulador desatento. A diferença entre os dois resultados está, invariavelmente, na qualidade da informação que você consome.