Como funciona o aluguel de ações e quem realmente lucra com ele
Você, investidor, provavelmente já ouviu a frase: “faça o seu dinheiro trabalhar para você”. Geralmente, isso se refere a comprar ações e esperar que elas se valorizem ou paguem dividendos. Mas e se eu lhe dissesse que existe uma forma de lucrar com as ações que você possui… sem vendê-las? E mais: e se eu dissesse que outras pessoas pagam para “tomar emprestado” suas ações, apostando contra elas?
Bem-vindo ao mundo do Aluguel de Ações, também conhecido como BTC (Banco de Títulos CBLC) no Brasil.
Este é um mercado bilionário, que opera silenciosamente nos bastidores da bolsa de valores. Para o investidor leigo, pode parecer um conceito complexo, reservado apenas para grandes fundos de investimento. Mas a realidade é que qualquer pessoa pode participar, e entender como ele funciona é crucial.
De um lado, temos o investidor “buy and hold” (que compra para o longo prazo) ganhando uma renda passiva extra. Do outro, temos especuladores que podem ganhar milhões (ou perder tudo) apostando na queda de uma ação.
Neste artigo completo, vamos dissecar o aluguel de ações. Quem são os participantes? Por que alguém paga para alugar algo que pode comprar? Como funciona o mecanismo de “venda a descoberto”? E a pergunta de um milhão: quem realmente lucra com tudo isso?
O Que é Exatamente o Aluguel de Ações? (O Conceito Desmistificado)

Para entender o aluguel de ações, vamos usar a analogia mais simples possível: é como alugar um imóvel.
Imagine que você é dono de um apartamento (uma ação). Você não tem intenção de vendê-lo agora, pois acredita na sua valorização a longo prazo. No entanto, ele está lá, “parado”.
Um dia, uma pessoa (o Tomador) bate à sua porta. Ela diz: “Quero usar seu apartamento por um tempo e te pago um ‘aluguel’ por isso. Eu me comprometo a devolvê-lo exatamente como o encontrei em uma data futura.”
Para você (o Doador), isso soa ótimo. Você continua sendo o dono do imóvel, continua ganhando com a valorização dele e ainda recebe uma renda extra (o aluguel).
No mercado financeiro, é idêntico. O aluguel de ações é um contrato onde um investidor (o Doador) “empresta” suas ações para outro investidor (o Tomador) por um período determinado. Em troca, o Tomador paga ao Doador uma taxa de aluguel (geralmente uma porcentagem anual sobre o valor das ações).
Todo esse processo não é feito de forma amadora. Ele é 100% intermediado, garantido e regulado pela B3 (a bolsa de valores brasileira) e pelas corretoras de valores. Isso garante segurança total para o Doador.
Os Protagonistas: Quem é o Doador e Quem é o Tomador?
Esse mercado só existe porque há dois lados com interesses perfeitamente opostos.
1. O Doador (O Investidor de Longo Prazo)
- Quem é? É o investidor clássico de “buy and hold”. É você, que comprou ações da Vale, Petrobras, Itaú ou Magalu com foco no longo prazo.
- Qual seu objetivo? Acumular patrimônio, receber dividendos e ver suas empresas crescerem. Ele não tem intenção de vender suas ações tão cedo.
- Por que ele aluga? Para otimizar a carteira. Já que ele não vai vender as ações, por que não fazê-las render um “troco” extra? A taxa de aluguel é uma pura renda passiva. Ele transforma um ativo que estava “parado” em uma fonte de renda adicional, sem abrir mão da posse ou dos direitos futuros (como veremos).
2. O Tomador (O Estrategista “Vendido”)
- Quem é? Este é o personagem mais interessante. Geralmente é um especulador, um trader profissional ou um grande fundo de investimento.
- Qual seu objetivo? Lucrar com a QUEDA no preço de uma ação.
- Por que ele aluga? Porque ele quer vender algo que não possui. E para vender, ele precisa primeiro pegar emprestado.
E é aqui que o conceito mais importante entra em cena: a “Venda a Descoberto”.
A Pergunta de Ouro: Por Que Alguém Paga para Alugar uma Ação?
A resposta para 99% dos casos é uma só: para realizar uma Venda a Descoberto (Short Selling).
Este é o conceito que mais confunde os iniciantes, mas é simples se for explicado passo a passo. Um “short seller” é um investidor que acredita que o preço de uma ação vai cair.
Vamos ver a anatomia de uma operação de short:
- A Análise: O Tomador (vamos chamá-lo de “Pessimista”) analisa a Ação X e conclui que ela está supervalorizada a R$ 50,00 e vai cair.
- O Aluguel: O Pessimista não tem a Ação X. Então, ele vai ao mercado de aluguel (BTC) e aluga 1.000 ações X de um Doador (o “Otimista”), concordando em pagar uma taxa de 2% ao ano.
- A Venda: Imediatamente, o Pessimista pega essas 1.000 ações alugadas e as vende no mercado à vista pelo preço atual (R$ 50,00). Ele recebe R$ 50.000 (1.000 x 50).
- A Espera: Agora, o Pessimista tem R$ 50.000 em caixa, mas ele tem uma dívida: ele deve 1.000 ações X ao Doador. Ele senta e espera sua previsão se concretizar.
- A Queda: Como ele previu, uma notícia ruim sai e a Ação X despenca para R$ 30,00.
- A Recompra: O Pessimista vai ao mercado e recompra as 1.000 ações X, pagando agora R$ 30,00 por cada. Custo total: R$ 30.000.
- A Devolução: Ele pega essas 1.000 ações que acabou de comprar e as devolve ao Doador, encerrando o contrato de aluguel.
- O Lucro: O Pessimista vendeu por R$ 50.000 (passo 3) e recomprou por R$ 30.000 (passo 6). Ele lucrou R$ 20.000 na operação (menos a pequena taxa de aluguel e custos operacionais).
Ele lucrou com a queda. Para fazer isso, ele precisou alugar a ação de alguém que a possuía. É para isso que serve o mercado de aluguel.
Quem Realmente Lucra? Analisando o Ganho de Cada Parte

Agora que entendemos o mecanismo, vamos ver quem ganha dinheiro e como.
O Lucro do Doador (Renda Passiva de Baixo Risco)
O Doador é o grande vencedor no quesito “ganho fácil e seguro”.
- Renda Passiva: Ele recebe a taxa de aluguel contratada. Pode parecer pouco (taxas comuns variam de 0,1% a 5% ao ano, mas podem explodir em casos de alta demanda), mas é um dinheiro que ele não teria de outra forma.
- Continua Dono: Ele continua recebendo 100% da valorização da ação. Se a ação que ele alugou subir 30%, esse ganho é dele.
- Recebe Proventos: (Veremos em detalhes abaixo) Ele continua recebendo todos os dividendos e Juros Sobre Capital Próprio.
O Doador lucra pouco, mas lucra sempre que sua ação está alugada, e sem correr o risco da operação do Tomador.
O Lucro do Tomador (Especulação de Alto Risco)
O Tomador é o especulador que busca lucros altos e rápidos.
- Potencial de Ganho: Seu lucro vem da diferença entre o preço de venda e o de recompra. Como vimos, pode ser um ganho expressivo (R$ 20.000 no nosso exemplo).
- Potencial de Perda: Este é o ponto crucial. O risco do Tomador é ilimitado.
- No nosso exemplo, e se a Ação X, em vez de cair, subisse para R$ 80,00? O Tomador ainda teria que recomprá-la para devolver ao Doador.
- Ele teria vendido a R$ 50 (R$ 50.000) e recomprado a R$ 80 (R$ 80.000), amargando um prejuízo de R$ 30.000.
- Como uma ação pode, teoricamente, subir para sempre, o prejuízo do Tomador é ilimitado.
O Tomador pode lucrar muito, mas ele corre um risco gigantesco e paga uma taxa por isso.
O Lucro dos Intermediários (O Lucro 100% Garantido)
Sabe quem sempre ganha? A B3 e a Corretora.
Elas são a “ponte” que liga Doador e Tomador. Elas estruturam a operação, garantem o contrato e cobram suas taxas (emolumentos, taxa de registro, etc.) sobre cada transação. Elas não correm risco nenhum e lucram em todas as operações, independentemente de o Tomador ter lucro ou prejuízo.
Veredito: Todos podem lucrar, mas de formas diferentes. O Doador lucra com segurança. O Tomador lucra com especulação. Os Intermediários lucram com volume.
E os Dividendos e JCP? Se a Ação Está Alugada, Quem Recebe?
Esta é a dúvida número um do investidor de longo prazo e a maior barreira para ele se tornar um Doador. “Vou alugar minha ação e perder os dividendos que ela vai pagar?”
A resposta é um enfático: NÃO.
A regra é clara: o Doador (dono original) tem o direito de receber 100% de todos os proventos.
O sistema da B3 garante isso. Funciona assim:
- A empresa (ex: Itaú) anuncia que vai pagar R$ 1,00 de dividendo por ação.
- Na “data-com” (data limite para ter a ação), a ação estava alugada com o Tomador.
- O Tomador (que estava com a ação) recebe o R$ 1,00 do Itaú.
- Automaticamente, o sistema da B3 debita R$ 1,00 do Tomador e credita R$ 1,00 para o Doador.
- No fim, o Doador recebe seu dividendo como se nada tivesse acontecido.
O Tomador é obrigado a “devolver” o provento ao Doador. Portanto, o Doador não perde absolutamente nada.
Riscos do Aluguel de Ações: O Que Pode Dar Errado?

Toda operação financeira tem riscos. Vamos analisá-los para cada parte.
Riscos para o Doador (Quase Inexistentes)
Para o Doador, o risco é baixíssimo no Brasil, graças à B3.
- Risco de Calote do Tomador: E se o Tomador quebrar e não devolver a ação? A B3 é a contraparte central garantidora. Ela exige garantias pesadas do Tomador (dinheiro, outras ações, etc.). Se o Tomador falhar, a B3 executa as garantias, recompra a ação no mercado e a devolve ao Doador. O Doador está 100% protegido.
- Risco de Liquidez (Querer Vender): “E se eu quiser vender minha ação e ela estiver alugada?” Você pode vender a qualquer momento. Você não precisa nem pedir a ação de volta. Basta colocar sua ordem de venda. Sua corretora e a B3 cuidam do processo de “chamar de volta” o aluguel automaticamente.
Riscos para o Tomador (Extremamente Altos)
Aqui é onde mora o perigo.
- Risco de Mercado (O Básico): O risco da ação subir em vez de cair, gerando o prejuízo ilimitado que já mencionamos.
- Risco de “Short Squeeze”: Este é o pesadelo do Tomador. Um short squeeze (ou “aperto dos vendidos”) ocorre quando uma ação que estava com muitos “vendidos” (Tomadores) começa a subir rapidamente.
- Isso força os Tomadores a recomprar as ações para limitar seu prejuízo.
- Só que essa recompra forçada cria mais demanda, o que faz o preço subir ainda mais.
- Isso cria um efeito dominó: mais Tomadores são forçados a recomprar, o que impulsiona o preço para a estratosfera. O caso da GameStop (GME) em 2021 foi um exemplo clássico disso.
Como Alugar Minhas Ações (Passo a Passo para o Doador)
Se você leu até aqui e se identificou com o perfil do Doador, o processo prático é absurdamente simples. A maioria das corretoras hoje automatizou isso.
- Tenha Ações: Você precisa, obviamente, ser dono de ações (ou ETFs, FIIs) que tenham liquidez no mercado de aluguel.
- Acesse sua Corretora: Faça login no seu home broker ou plataforma.
- Habilite a “Custódia Remunerada”: Este é o nome mais comum para o serviço. Geralmente é uma opção nas configurações da sua conta de investimentos. Em muitas corretoras (como a NuInvest, por exemplo), isso é feito com um único clique.
- Defina os Termos (Opcional): A maioria das pessoas simplesmente adere ao contrato padrão, que permite à corretora alugar suas ações automaticamente pela melhor taxa disponível no mercado.
- Pronto. Espere. Você não precisa fazer mais nada. Quando houver demanda de um Tomador para suas ações, a corretora fará o “match” e você começará a receber os centavos ou reais da taxa de aluguel (geralmente pagos mensalmente).
Um Jogo de Ganhos Opostos, Mas que Beneficia a Todos

O aluguel de ações não é um bicho-de-sete-cabeças. É um mecanismo sofisticado que traz eficiência ao mercado.
Então, quem realmente lucra?
- O Doador (investidor de longo prazo) lucra com a paciência. Ele ganha uma renda passiva segura, otimizando seu patrimônio sem esforço e sem risco adicional.
- O Tomador (especulador) lucra com a volatilidade e o risco. Ele assume um risco gigantesco (e ilimitado) na esperança de ganhos rápidos e expressivos com a queda do mercado.
- Os Intermediários (B3 e Corretora) lucram com a estrutura. Eles ganham em todas as transações, fornecendo a plataforma segura para que os outros dois possam operar.
Para o investidor leigo focado no longo prazo, a decisão é clara: habilitar o aluguel de ações (Custódia Remunerada) é uma das poucas “escolhas grátis” do mercado. É uma forma inteligente de fazer seu dinheiro, que já está trabalhando para você, trabalhar um pouquinho mais.