Como bancos ganham dinheiro emprestando
Quando entramos em uma agência bancária ou abrimos o aplicativo do banco no celular, geralmente vemos aquela instituição como um “cofre seguro” onde guardamos nosso dinheiro. Mas, na realidade, um banco não é um cofre; ele é uma loja de dinheiro.
A pergunta que muitos se fazem é: “Se o banco guarda meu dinheiro de graça (ou pagando muito pouco na poupança), como ele consegue ter lucros bilionários todos os anos?”.
A resposta curta é simples: O banco aluga dinheiro.
Ele aluga o seu dinheiro (quando você deposita) por um preço baixo, e subloca esse mesmo dinheiro para outra pessoa por um preço muito mais alto.
Neste guia definitivo, vamos abrir a caixa-preta do sistema financeiro. Você vai entender a matemática por trás dos empréstimos, o conceito de Spread Bancário, a mágica do Multiplicador de Crédito e por que, no Brasil, esse negócio é um dos mais lucrativos do mundo.
O Coração do Negócio: O que é Spread Bancário e como ele funciona

Para entender como o banco lucra, precisamos entender o conceito de Intermediação Financeira.
O banco conecta dois tipos de pessoas:
-
O Agente Superavitário: Você, quando sobra dinheiro no fim do mês e investe na Poupança ou em um CDB.
-
O Agente Deficitário: O empresário que quer expandir a fábrica ou o consumidor que quer financiar um carro e não tem o dinheiro todo.
O lucro do banco nasce na diferença entre o que ele paga para o primeiro e o que ele cobra do segundo. Essa diferença chama-se Spread Bancário.
Um Exemplo Prático (A Regra da Padaria)
Imagine uma padaria. O padeiro compra farinha por R$ 5,00 e vende o pão por R$ 15,00. A diferença de R$ 10,00 é o spread bruto dele, de onde ele vai tirar o lucro e pagar as contas.
O banco faz exatamente a mesma coisa, mas a “farinha” é o dinheiro.
-
Você investe R$ 1.000,00 em um CDB do banco que paga 10% ao ano (Taxa de Captação).
-
O banco pega esses seus R$ 1.000,00 e empresta para o seu vizinho no Cheque Especial cobrando 150% ao ano (Taxa de Aplicação).
-
A diferença brutal entre os 10% que ele te paga e os 150% que ele recebe é o Spread.
No Brasil, o spread bancário é um dos mais altos do planeta, o que explica a robustez financeira das nossas instituições.
Onde os bancos conseguem dinheiro para emprestar? (Custo de Captação)
Muitas pessoas acham que o banco empresta o dinheiro dos donos do banco. Errado. O banco trabalha alavancado. Ele empresta o dinheiro de terceiros.
Para ter dinheiro para emprestar, o banco precisa “comprar” dinheiro no mercado. Ele faz isso através de produtos que você conhece bem:
-
CDBs (Certificados de Depósito Bancário): O banco pede dinheiro emprestado a você e promete devolver com juros.
-
Poupança: É a fonte de recursos mais barata para o banco. Ele te paga muito pouco (geralmente abaixo da inflação) e usa esse dinheiro para financiar imóveis a taxas muito maiores.
-
LCI e LCA: Dinheiro captado especificamente para financiar setores imobiliários e do agronegócio.
Quanto maior e mais sólido for o banco, menos juros ele precisa pagar para captar dinheiro. Um banco pequeno e desconhecido precisa oferecer CDBs com taxas altíssimas para convencer você a investir lá. Já um “bancão” paga pouco porque você confia na segurança dele. Isso faz com que o lucro dos grandes bancos seja ainda maior, pois a “matéria-prima” (dinheiro) sai mais barata para eles.
A Mágica do Sistema: O Efeito Multiplicador de Crédito (Reserva Fracionária)
Aqui entra o segredo que pouquíssima gente conhece e que parece mágica. O banco não empresta apenas o dinheiro que tem. Ele, tecnicamente, cria dinheiro.
Isso acontece através do sistema de Reservas Fracionárias.
Funciona assim:
-
Você deposita R$ 1.000,00 no banco.
-
O Banco Central obriga o banco a guardar uma parte disso (digamos 20%, ou R$ 200,00) como segurança. Isso é o Depósito Compulsório.
-
O banco fica livre para emprestar os outros R$ 800,00.
-
Ele empresta esses R$ 800,00 para o João comprar uma bicicleta.
-
A loja de bicicletas recebe os R$ 800,00 e deposita na conta dela (no mesmo ou em outro banco).
-
Agora, o banco tem um novo depósito de R$ 800,00. Ele guarda 20% (R$ 160,00) e empresta o restante (R$ 640,00) para a Maria.
Perceba o ciclo: O dinheiro original de R$ 1.000,00 virou um empréstimo para o João e outro para a Maria, e continua circulando.
O banco ganha juros sobre todas essas operações. Ele ganha juros sobre um dinheiro que, virtualmente, foi multiplicado várias vezes no sistema. É por isso que o negócio bancário é exponencial.
A Composição do Spread: Por que os juros são tão caros no Brasil?

Se o banco te paga 10% e cobra 50% no empréstimo pessoal, ele está lucrando 40% limpo? Não.
É aqui que entra a defesa dos bancos. O Spread não é lucro líquido. Ele é composto por vários custos que “comem” essa margem.
Para entender como o banco ganha dinheiro, precisamos entender onde ele gasta dinheiro:
1. Inadimplência (O Calote)
Este é o maior vilão. O Brasil tem leis que, historicamente, dificultam a cobrança de dívidas (tomar bens de devedores é um processo lento e caro na justiça).
Como o banco sabe que, de cada 10 pessoas, uma não vai pagar, ele precisa cobrar juros mais altos das outras 9 pessoas honestas para cobrir o prejuízo daquela que deu o calote.
Os bons pagadores subsidiam os maus pagadores.
2. Custo Tributário (Impostos)
Bancos pagam muitos impostos sobre a intermediação financeira (PIS, COFINS, ISS e IOF, além de uma CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – mais alta que a de outras empresas). Parte desse custo é repassada para a taxa de juros do empréstimo.
3. Custo Administrativo
Agências físicas, caixas eletrônicos, transporte de valores (carro-forte), salários de bancários, segurança armada, sistemas de TI robustos contra hackers. Tudo isso custa bilhões e sai do spread.
Somente o que sobra depois de tudo isso é o lucro real do banco.
Tipos de Empréstimos e Margens de Lucro: Onde está o “Filé Mignon”?
Nem todo empréstimo dá o mesmo lucro para o banco. Eles possuem uma carteira de produtos diversificada para equilibrar risco e retorno.
O “Pão com Manteiga”: Crédito Consignado e Imobiliário
São empréstimos com garantia (salário ou imóvel). O risco de calote é baixo.
-
Lucro Unitário: Baixo (taxas menores).
-
Volume: Gigantesco. O banco ganha na quantidade e na segurança de longo prazo.
O “Filé Mignon” (e o Veneno): Cheque Especial e Rotativo do Cartão
São empréstimos sem garantia nenhuma, concedidos automaticamente.
-
Lucro Unitário: Altíssimo (juros de 300% a 400% a.a.).
- Risco: Altíssimo.
O banco ganha muito dinheiro aqui com os desorganizados financeiramente. É o produto mais rentável, mas também o que gera mais dor de cabeça com inadimplência.
Receitas Não-Financeiras: Ganhando dinheiro sem emprestar
Embora o tema deste artigo seja o empréstimo, é impossível ignorar que os bancos modernos diversificaram suas fontes de renda para não depender apenas do risco de crédito.
Uma parte gigante do lucro dos bancos vem das Tarifas de Serviços:
-
Pacotes de conta corrente (Cesta de Serviços).
-
Anuidade do cartão de crédito.
-
Taxas de administração de fundos de investimento.
-
Corretagem de seguros (Venda de seguros de vida, residencial e capitalização).
Muitas vezes, o gerente te oferece uma taxa de juros menor no empréstimo se você levar um seguro ou um título de capitalização. Isso é o Cross-Selling (Venda Cruzada). O banco abre mão de um pouco de lucro nos juros para ganhar na comissão do seguro, fidelizando o cliente em vários produtos.
O Impacto da Selic no Lucro dos Bancos

A Taxa Selic (taxa básica de juros definida pelo Banco Central) é a “mãe” de todas as taxas.
-
Quando a Selic Sobe: O custo para o banco captar dinheiro aumenta. Ele repassa isso para os empréstimos, que ficam mais caros. Teoricamente, o spread pode aumentar, mas a demanda por empréstimos cai (menos pessoas pegam dinheiro) e a inadimplência sobe.
-
Quando a Selic Cai: O banco capta dinheiro mais barato. Os empréstimos ficam mais baratos, a economia aquece e mais pessoas tomam crédito. O banco ganha no volume de operações.
Curiosamente, bancos brasileiros conseguem lucrar muito em ambos os cenários, pois têm uma capacidade rápida de reprecificar seus produtos.
Fintechs vs. Bancões: A Guerra do Custo Operacional
Nos últimos anos, vimos o surgimento de Nubank, Inter, C6, etc. Como eles conseguem oferecer empréstimos e cartões sem tarifas?
A lógica é a estrutura de custos.
Um “Bancão” tradicional tem milhares de agências físicas, milhares de funcionários, custos de aluguel, luz, segurança, etc.
Uma Fintech é 100% digital. O custo operacional é uma fração do custo de um banco tradicional.
Com custos menores, as Fintechs podem se dar ao luxo de trabalhar com um Spread menor. Isso forçou os grandes bancos a se modernizarem e, em alguns casos, reduzirem suas taxas para não perder clientes. Quem ganha com essa “guerra” é você, consumidor.
O Banco não é seu amigo, é um parceiro de negócios

Entender como os bancos ganham dinheiro tira o véu de mistério e coloca você no controle. O banco é uma empresa que visa lucro, e o produto dele é o dinheiro.
Quando você pega um empréstimo, você está comprando um produto. E, como em qualquer compra, você deve:
-
Pesquisar o preço: Comparar o Custo Efetivo Total (CET) em vários bancos.
-
Entender o contrato: Saber o que está pagando.
-
Negociar: Sabendo que o gerente tem margem no spread, você pode e deve pedir taxas melhores.
O sistema bancário é essencial para o desenvolvimento da sociedade – sem crédito, não há compra de casas, construção de fábricas ou produção agrícola. O problema não é o banco lucrar, mas sim o consumidor não entender as regras do jogo e pagar mais caro do que deveria por falta de conhecimento.