Como emissões de ações afetam o investidor
Você abre o aplicativo da sua corretora ou checa seu e-mail e lá está um aviso com termos complicados: “Aviso de Oferta Pública”, “Direito de Subscrição” ou “Follow-on”.
Imediatamente, você percebe que as ações daquela empresa que você tem na carteira começaram a cair 3%, 5% ou até mais no pregão de hoje. O pânico bate. Será que a empresa quebrou? Devo vender tudo? Ou será que isso é uma oportunidade de ouro disfarçada?
As Emissões de Ações são eventos comuns na vida de empresas listadas na Bolsa de Valores, mas continuam sendo uma das maiores fontes de confusão e prejuízo para investidores iniciantes que não sabem como reagir.
Neste artigo definitivo, vamos desmistificar o funcionamento dessas ofertas. Você vai aprender a diferença vital entre oferta primária e secundária, entender por que seu patrimônio pode ser “diluído” e descobrir como usar esses eventos para lucrar, em vez de perder dinheiro.
1. O Que é uma Emissão de Ações (Follow-on)?

Para entender uma emissão, voltemos ao básico. Uma empresa entra na Bolsa através de um IPO (Oferta Pública Inicial). É o momento em que ela nasce para o mercado.
Porém, anos depois do IPO, a empresa pode precisar de mais dinheiro. Como ela já tem ações negociadas, ela não faz um novo IPO. Ela faz um Follow-on (uma oferta subsequente).
Em termos simples: A empresa imprime novas ações (ou os sócios vendem as suas) e as oferece ao mercado em troca de capital.
Imagine uma pizzaria que foi dividida em 1.000 pedaços (ações). Se a pizzaria quer construir um novo forno e não tem dinheiro no caixa, ela pode decidir “criar” mais 200 pedaços e vendê-los para novos sócios.
Por que as empresas fazem isso?
Geralmente, por três motivos:
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Pagar Dívidas: A empresa está “enforcada” com juros altos e quer captar dinheiro barato na bolsa para quitar empréstimos bancários.
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Expansão (CAPEX): A empresa quer comprar um concorrente, construir uma nova fábrica ou investir em tecnologia.
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Saída de Sócios: Os donos atuais querem colocar dinheiro no bolso e vender sua parte.
2. A Diferença Crucial: Oferta Primária vs. Oferta Secundária
Antes de decidir se entra ou sai de uma oferta, você precisa ler o prospecto para saber se a oferta é Primária ou Secundária. Essa distinção muda tudo.
Oferta Primária: “Dinheiro Novo para a Empresa”
Na oferta primária, a empresa emite novas ações. O dinheiro arrecadado com a venda vai direto para o Caixa da Empresa.
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Sinal: Geralmente positivo (dependendo do uso). Significa que a empresa terá recursos para crescer ou sanear dívidas.
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Efeito: Aumenta o número total de ações existentes (gera diluição, falaremos disso adiante).
Oferta Secundária: “Troca de Mãos”
Na oferta secundária, nenhuma nova ação é criada. O dinheiro não vai para a empresa.
Quem está vendendo são os atuais acionistas (fundadores, fundos de Private Equity ou grandes investidores). O dinheiro vai para o bolso deles.
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Sinal: Pode ser negativo ou neutro. Por que o dono está vendendo? Ele não acredita mais no negócio? Ou é apenas um fundo que atingiu o prazo de validade do investimento e precisa sair?
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Efeito: Não gera diluição (o número de ações continua o mesmo), mas gera pressão vendedora no curto prazo.
3. O Fantasma da Diluição Acionária: Por que sua “fatia da pizza” diminui?
Este é o ponto que mais afeta o investidor pessoa física. Vamos usar a analogia da pizza novamente.
Imagine que a empresa é uma pizza de 8 fatias. Você comprou 1 fatia. Logo, você é dono de 12,5% da empresa.
Se a empresa faz uma Oferta Primária e emite mais 8 fatias para vender ao mercado, a pizza agora tem 16 fatias.
Se você não comprar mais nada, você continua tendo sua 1 fatia. Porém, agora você é dono de 1 fatia em 16. Sua participação caiu para 6,25%.
Você foi diluído.
Por que a diluição é ruim?
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Menos Dividendos: Se a empresa lucrar R$ 1 milhão, esse lucro agora terá que ser dividido por muito mais ações. O dividendo por ação pode cair.
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Menos Poder de Voto: Se você é um grande acionista, sua influência nas decisões diminui.
A Exceção: A diluição só é aceitável se o dinheiro captado for usado para fazer a empresa crescer tanto que o lucro aumente desproporcionalmente. Ter 6% de uma pizza gigante pode ser melhor que ter 12% de uma pizza brotinho.
4. Direito de Subscrição: O seu Escudo de Defesa

A Lei das S.A. no Brasil protege o acionista antigo contra a diluição injusta através do Direito de Preferência (ou Direito de Subscrição).
Antes de oferecer as novas ações para o mercado, a empresa é obrigada a oferecê-las primeiro a você, na proporção que você já possui.
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Exemplo: A empresa vai aumentar o capital em 10%. Se você tem 100 ações, você ganhará o direito de comprar mais 10 ações antes de todo mundo.
O “Pulo do Gato”: O Preço Descontado
Para incentivar os investidores a participarem da oferta, a empresa geralmente define um preço de emissão abaixo do preço de mercado.
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Cotação na Tela (B3): R$ 20,00
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Preço na Subscrição: R$ 18,00
Se você exercer seu direito, você compra a ação mais barato e mantém sua porcentagem na empresa intacta (não é diluído).
E se eu não tiver dinheiro para comprar?
Você pode vender o seu direito. O direito de subscrição é um ativo negociável (aparece na sua conta com um código diferente, geralmente final 1 ou 2, ex: ITUB1). Você vende esse direito no Home Broker, coloca um dinheiro no bolso e aceita ser diluído.
Atenção: O direito tem prazo de validade. Se você não comprar a ação e não vender o direito, ele vira pó e você perde dinheiro.
5. A Lei da Oferta e Demanda: Por que a Ação Cai quando Anuncia Emissão?
É quase uma regra: Saiu a notícia de Follow-on, a ação cai. Por quê?
Existem três forças principais atuando aqui:
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Aumento da Oferta: O mercado funciona na base da escassez. Se de repente existem milhões de novas ações sendo despejadas no mercado, e a demanda de compradores continua a mesma, o preço tende a cair para absorver esse volume extra.
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O Desconto da Oferta (Ancoragem): Se o mercado sabe que a empresa quer vender as novas ações a R$ 18,00 (no nosso exemplo anterior), por que alguém compraria na tela a R$ 20,00? O preço de mercado tende a cair para convergir com o preço da oferta.
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A Arbitragem (Flipagem): Investidores institucionais e traders vendem as ações que eles já têm (a R$ 20,00) para garantir o lucro, e entram na oferta para recomprar a mesma quantidade a R$ 18,00. Essa pressão de venda derruba a cotação.
6. O Processo de Bookbuilding: Quem Define o Preço?
Ao contrário do que parece, a empresa não “inventa” o preço da nova ação sozinha. Ela passa por um processo chamado Bookbuilding (Construção do Livro).
É um leilão gigante. Os bancos de investimento coordenadores da oferta (underwriters) perguntam aos grandes fundos:
“Quantas ações você compraria se o preço fosse R$ 19,00? E se fosse R$ 18,50? E R$ 18,00?”
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Se a demanda for altíssima (muita gente querendo), o preço sai mais alto, perto da cotação de mercado.
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Se a demanda for fraca (ninguém quer), o preço sai no piso da faixa ou a oferta pode até ser cancelada.
Para o pequeno investidor, o Bookbuilding é uma caixa preta. Você faz a reserva dizendo “aceito pagar até X”. Se o preço final for menor que X, você leva. Se for maior, você fica de fora.
7. Flipagem: A Estratégia Arriscada dos Traders
Você vai ouvir muito esse termo em grupos de investimento. Flipagem é a prática de entrar na oferta de ações (pagando barato) com a intenção de vender tudo no primeiro dia de negociação (esperando que abra em alta).
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O Objetivo: Lucro rápido e certo (arbitragem entre o preço descontado da oferta e o preço de tela).
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O Risco: O mercado virar. Imagine que você reservou a R$ 18,00 achando que venderia a R$ 20,00. Mas no dia que as novas ações entram na sua conta, sai uma notícia ruim ou o mercado global despenca, e a ação cai para R$ 17,00. Você tem prejuízo.
Além disso, muitos fundos fazem isso alavancados (vendendo a descoberto antes de receber as ações), o que pressiona ainda mais o papel para baixo nos dias seguintes à liquidação da oferta.
8. Oferta Restrita (CVM 476) vs. Oferta Pública (CVM 400)

Nem toda emissão é para você.
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Oferta Pública (Instrução CVM 400): É aberta a todos os investidores (Pessoa Física, Varejo). É amplamente divulgada, tem prospecto detalhado e período de reserva longo.
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Oferta Restrita (Instrução CVM 476): É focada apenas em Investidores Profissionais (quem tem mais de R$ 10 milhões investidos). A empresa faz isso porque é mais rápido e tem menos burocracia.
Muitas vezes, o pequeno investidor fica frustrado ao ver uma “promoção” de ações acontecendo via CVM 476 e ele não pode participar. Nesses casos, a diluição é inevitável, pois você não tem o direito de preferência na oferta (apenas o direito de prioridade, que é mais limitado e nem sempre existe).
9. Como Analisar se Vale a Pena Entrar na Emissão? (Checklist)
Recebeu o e-mail da corretora? Não aja por impulso. Faça este checklist rápido:
1. Qual o destino dos recursos? (Leia o Prospecto)
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Bom: Pagar dívida cara (reduz despesa financeira e aumenta lucro líquido), expandir operações, adquirir concorrente sinérgico.
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Ruim: Pagar despesas correntes (queimar caixa), “reforço de caixa” sem plano definido, ou saída de sócios controladores (oferta secundária).
2. O Desconto é atrativo?
Vale a pena toda a burocracia da reserva para pagar 1% a menos que na tela? Geralmente, buscamos descontos que ofereçam uma margem de segurança contra a volatilidade do período de lock-up (bloqueio).
3. A empresa já é boa?
Uma oferta de ações não transforma uma empresa ruim em boa. Se a empresa dá prejuízo há 10 anos e pede mais dinheiro, ela provavelmente só vai queimar esse dinheiro também. Só participe de follow-ons de empresas das quais você já gostaria de ser sócio a longo prazo.
4. Como está o Mercado?
Em momentos de “Bear Market” (bolsa em queda), ofertas tendem a ser mal precificadas e as ações costumam cair após a estreia. Em “Bull Markets” (bolsa em alta), as ações tendem a subir após a oferta.
10. O Impacto a Longo Prazo: O “Overhang”
Mesmo depois que a oferta acaba, existe um efeito residual chamado Overhang.
Se a oferta foi muito grande, significa que muitos investidores “flipperam” (entraram só pelo lucro curto) ou que grandes fundos agora têm posições grandes demais e querem vender aos poucos.
Isso cria uma “tampa” no preço da ação. Toda vez que a ação tenta subir, aparece um grande vendedor desfazendo posição. Ações que passaram por grandes follow-ons podem levar meses para “limpar” esse excesso de oferta e voltar a subir consistentemente.
A Emissão como Ferramenta

Emissões de ações não são inerentemente boas nem más. Elas são ferramentas de capitalismo.
Para a empresa, é o combustível para crescer ou sobreviver. Para o investidor, é um momento de decisão:
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Apoiar a gestão e aportar mais dinheiro (evitando diluição e apostando no crescimento).
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Desconfiar da gestão e usar a liquidez do evento para vender suas ações e sair do negócio.
O pior erro que você pode cometer é ignorar o evento. Se você não faz nada, você é diluído silenciosamente e sua fatia do bolo diminui enquanto outros comem o seu pedaço.
Fique atento aos e-mails da sua corretora, entenda a diferença entre Primária e Secundária e use o Direito de Subscrição a seu favor. No mercado financeiro, informação é o único antídoto contra o prejuízo.