Saiba como funcionam as classes de ações (ON, PN e Units)

Ao entrar no mundo da Bolsa de Valores (B3), o investidor iniciante se depara imediatamente com uma “sopa de letrinhas e números”. Você decide comprar ações da Petrobras e encontra PETR3 e PETR4. Resolve investir na Eletrobras e vê ELET3, ELET6. Olha para o setor bancário e vê o Banco Inter ou Santander com códigos terminados em 11.

Afinal, por que a mesma empresa possui códigos diferentes? O preço é diferente? O lucro é o mesmo?

Entender as Classes de Ações (Ordinárias, Preferenciais e Units) não é apenas uma questão técnica; é uma questão de estratégia e segurança patrimonial. A escolha errada da classe de ação pode te deixar sem proteção em caso de venda da empresa ou te privar de dividendos mais gordos.

Neste guia completo, vamos desmistificar o funcionamento de cada tipo de ação, explicar o significado dos números no final dos códigos e te ajudar a decidir qual delas faz sentido para o seu perfil de investidor.

O Que São os Tickers? A Lógica por Trás dos Códigos da Bolsa

Antes de mergulharmos nas diferenças entre as ações, precisamos entender como a B3 organiza esses ativos. O código de negociação de uma ação é chamado de Ticker.

No Brasil, o padrão é composto por 4 letras (que representam o nome da empresa) seguidas por 1 ou 2 números (que representam o tipo da ação).

• PETR: Refere-se à Petrobras.

• VALE: Refere-se à Vale.

• ITUB: Refere-se ao Itaú Unibanco.

O “segredo” está no número final. É ele que determina os seus direitos e deveres como acionista. Vamos analisar os três principais: 3 (ON), 4 (PN) e 11 (Units).

Ações Ordinárias (ON): O Poder do Voto e a Sócio-propriedade Real

Final do Ticker: 3 (ex: ABEV3, VALE3, WEGE3)

As ações Ordinárias Nominativas, conhecidas pela sigla ON, são a forma mais pura de investimento em ações. Quando dizemos que “comprar ações é comprar um pedacinho da empresa”, estamos nos referindo principalmente a esta classe.

O Direito a Voto

A principal característica da ação ON é conferir ao acionista o direito a voto nas assembleias da empresa.

Claro, na prática, um pequeno investidor com 100 ou 1.000 ações não terá poder suficiente para decidir os rumos da companhia contra os acionistas majoritários que possuem milhões de ações. Porém, o conceito é vital: você é tratado como um sócio real.

A Proteção do “Tag Along”

Este é o ponto mais crítico e muitas vezes ignorado por iniciantes. As ações ON (final 3) possuem, por lei, uma proteção chamada Tag Along.

Imagine que você é sócio minoritário de uma empresa e, de repente, o dono (controlador) decide vender a empresa para um grupo estrangeiro. O grupo estrangeiro paga um valor alto pelas ações do dono para assumir o controle. E você? Fica com as ações “micadas” na mão?

O Tag Along garante que, se o controle da empresa for vendido, o comprador é obrigado a fazer uma oferta pelas suas ações ON também. Pela Lei das S.A. no Brasil, o Tag Along mínimo é de 80% do valor pago por ação ao controlador.

• Exemplo: O controlador vendeu a parte dele por R$ 100,00 cada ação. Quem tem ações ON tem o direito garantido de vender as suas por, no mínimo, R$ 80,00 para o novo dono.

Muitas empresas listadas no segmento do “Novo Mercado” oferecem 100% de Tag Along, garantindo que o pequeno investidor receba exatamente o mesmo valor que o dono recebeu. Isso é segurança patrimonial.

Ações Preferenciais (PN): Foco em Dividendos e Prioridade no Recebimento

Final do Ticker: 4 (ex: PETR4, ITUB4, GGBR4)

As ações Preferenciais Nominativas, ou PN, funcionam de maneira diferente. Elas são desenhadas para investidores que estão menos preocupados em participar das decisões da empresa e mais interessados no retorno financeiro.

O termo “Preferencial” não significa que a ação é melhor, mas sim que ela tem preferência em certos eventos.

Preferência nos Dividendos

Por lei, as ações PN devem oferecer alguma vantagem econômica para compensar a falta de voto. Geralmente, essa vantagem vem na forma de dividendos. Isso pode acontecer de duas formas:

1. Receber dividendos 10% maiores do que as ações ON.

2. Ter prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos.

Por isso, é comum ver a ação final 4 (PN) pagando um Dividend Yield (rendimento de dividendos) ligeiramente superior à final 3 (ON).

Preferência no Reembolso de Capital

Em um cenário pessimista, onde a empresa vai à falência e precisa ser liquidada, após o pagamento de todas as dívidas, o que sobrar (se sobrar) é distribuído aos acionistas. Nesse momento triste, quem tem ações PN tem preferência para receber sua parte antes de quem tem ações ON.

O Risco da Governança (Sem Tag Along Obrigatório)

O “Calcanhar de Aquiles” das ações PN é que elas não possuem garantia de Tag Along pela lei. Se a empresa for vendida, o novo controlador não é obrigado a comprar as suas ações PN. Você pode ficar “preso” na empresa com um novo dono que você não conhece ou não confia, e o preço das suas ações pode despencar sem que você tenha uma saída garantida pelo preço de venda do controle.

Nota: Algumas empresas, por estatuto próprio, estendem o Tag Along para as PNs, mas isso é uma benevolência da empresa, não uma obrigação legal padrão (salvo exceções estatutárias).

Outros finais para PN (5, 6, 7 e 8)

Embora o final 4 seja o mais comum, existem ações preferenciais de classes diferentes, como PNA (final 5) e PNB (final 6). A diferença entre elas (como na Eletrobras ELET3, ELET5 e ELET6) reside nas regras específicas do estatuto da empresa sobre como os dividendos são calculados para cada classe.

Units (Certificados de Depósito de Ações): O “Combo” da Bolsa

Final do Ticker: 11 (ex: SANB11, TAEE11, KLBN11)

As Units não são uma “terceira classe” de ação propriamente dita. Elas são, na verdade, um pacote ou um “combo” de ações.

Pense no McDonald’s. Você pode comprar o hambúrguer (ON) separado e a batata frita (PN) separada. Ou você pode pedir o “Número 11”, que é o combo que vem com hambúrguer e batata juntos numa caixinha só.

Uma Unit é um ativo composto por uma mistura de ações ON e PN.

• Exemplo: Uma ação TAEE11 (Taesa) é composta por 1 ação ON (TAEE3) + 2 ações PN (TAEE4).

• Exemplo: Uma ação SANB11 (Santander) é composta por 1 ação ON (SANB3) + 1 ação PN (SANB4).

Por que as empresas criam Units?

Geralmente, isso é feito para aumentar a liquidez. Ao invés de dividir a negociação entre ordinárias e preferenciais, a empresa incentiva a negociação do pacote (Unit), concentrando o volume financeiro ali. Isso facilita a entrada e saída de grandes investidores institucionais.

Atenção ao Código 11: Nem tudo que termina em 11 é uma Unit. Os Fundos Imobiliários (FIIs) e os ETFs (Fundos de Índice) também usam o final 11. Para saber a diferença, você precisa conhecer o ativo (ex: IVVB11 é um ETF, HGLG11 é um FII, ALUP11 é uma Unit).

Tabela Comparativa: ON vs. PN vs. Units

Para facilitar sua visualização, preparamos este resumo rápido:

A Importância da Governança Corporativa e o “Novo Mercado”

Para entender profundamente as classes de ações, você precisa conhecer os Segmentos de Listagem da B3. A Bolsa classifica as empresas de acordo com o nível de transparência e respeito ao acionista.

O Nível Máximo: Novo Mercado

O “Novo Mercado” é o padrão ouro da governança no Brasil. Para uma empresa entrar nesse clube seleto (ex: Renner, Magazine Luiza, WEG, B3), ela deve cumprir uma regra de ouro: Emitir apenas ações Ordinárias (ON).

Isso mesmo. No Novo Mercado, não existem ações preferenciais (PN). Isso garante que todos os acionistas, do pequeno ao gigante, tenham os mesmos direitos (princípio one share, one vote – uma ação, um voto) e 100% de Tag Along.

Portanto, a tendência de longo prazo do mercado brasileiro é a extinção gradual das ações PN, com cada vez mais empresas migrando para o modelo de ter apenas ações ON (final 3).

Liquidez: É fácil vender minhas ações?

Antigamente, no Brasil, as ações PN (final 4) tinham muito mais liquidez (volume de compra e venda) do que as ON. Isso acontecia porque os grandes controladores detinham quase todas as ações ON para segurar o poder, deixando apenas as PN circulando no mercado.

Por isso, muitos investidores antigos ainda recomendam: “Compre PN porque é mais fácil de vender”.

Cuidado, isso mudou. Hoje, com o crescimento do Novo Mercado e a melhoria da governança, muitas ações ON têm liquidez gigantesca. Antes de comprar, olhe o Volume Médio Diário de negociação. Se for alto (milhões de reais por dia), não se preocupe com a liquidez, seja ON ou PN.

Qual Escolher? Definindo sua Estratégia

Agora que você conhece a técnica, vamos para a prática. Qual ticker você deve digitar no seu Home Broker?

Cenário 1: O Investidor de Longo Prazo (Buy and Hold)

Se o seu objetivo é acumular patrimônio por 10, 20 ou 30 anos e ser sócio da empresa, a recomendação da maioria dos analistas fundamentalistas é focar nas Ações Ordinárias (ON – Final 3).

• Motivo: A proteção do Tag Along é essencial para prazos longos. Em 20 anos, a empresa pode ser vendida várias vezes, e você precisa estar protegido. Além disso, alinha seus interesses com os controladores.

Cenário 2: O Investidor de Dividendos (Renda Passiva)

Se o seu foco é extrair o máximo de renda possível agora e você aceita correr um pouco mais de risco de governança, as Ações Preferenciais (PN – Final 4) podem ser interessantes.

• Motivo: Se a PN paga 10% a mais de dividendos e custa mais barato que a ON, seu Dividend Yield será consideravelmente maior.

Cenário 3: O Especulador (Trader)

Se você quer comprar hoje para vender semana que vem (Swing Trade) ou hoje mesmo (Day Trade), a classe da ação importa pouco. O que importa é a Liquidez.

• Motivo: Você precisa entrar e sair rápido. Escolha a que tiver o maior volume de negócios (seja 3, 4 ou 11).

Passo a Passo: Como Identificar e Comprar no Home Broker

1. Abra sua conta na corretora: Acesse o aplicativo ou site.

2. Busque a empresa: Digite o nome da empresa (ex: Itaú).

3. Analise as opções: O sistema mostrará ITUB3 e ITUB4.

4. Verifique a liquidez e o spread: Veja se há muitos compradores e vendedores.

5. Verifique o Tag Along (Dica Extra): Use sites como o site da B3 ou ferramentas de análise (como Status Invest ou Fundamentus) para ver se a PN possui Tag Along estendido pelo estatuto. Se a PN tiver 100% de Tag Along e pagar mais dividendos, ela se torna uma opção excelente (o melhor dos dois mundos).

6. Envie a ordem: Digite a quantidade e o preço e confirme.

Entender a diferença entre ON, PN e Units é o primeiro passo para deixar de ser um “apostador” na Bolsa e se tornar um verdadeiro investidor.

Não existe uma resposta única sobre qual é “a melhor”. Existe a mais adequada para a sua estratégia:

• Quer ser sócio protegido e votar? Vá de ON (3).

• Quer prioridade nos lucros e não liga para o controle? Vá de PN (4).

• Quer liquidez ou um pacote misto? Vá de Units (11).

Lembre-se sempre de ler o estatuto da empresa ou consultar sites especializados para verificar as regras específicas de Tag Along e dividendos daquela companhia específica antes de investir o seu dinheiro suado.

Perguntas Frequentes (FAQ)

1. Posso trocar minhas ações PN por ON?

Geralmente não é uma troca direta automática. No entanto, algumas empresas realizam processos de “Conversão de Ações”, permitindo que acionistas troquem PN por ON (ou Units) em proporções específicas. Fique atento aos comunicados da empresa.

2. Ações final 3 pagam dividendos?

Sim! Ações Ordinárias (ON) pagam dividendos normalmente. A diferença é que as Preferenciais (PN) podem receber um valor ligeiramente maior ou ter prioridade no pagamento, mas as ONs também recebem sua parte dos lucros.

3. O que são BDRs (Final 34)?

Códigos terminados em 34 (como AAPL34 ou TSLA34) são Brazilian Depositary Receipts. Eles não são ações de empresas brasileiras, mas sim recibos que representam ações de empresas estrangeiras (como Apple e Tesla) negociadas aqui no Brasil.

4. O que acontece se eu comprar a ação “errada”?

Não se desespere. Você continua sendo dono de parte da empresa e receberá seus lucros. Se perceber que a estratégia não condiz com seus objetivos (ex: comprou PN mas queria Tag Along), você pode vender essas ações e comprar as da outra classe a qualquer momento, pagando apenas as taxas de corretagem e eventuais impostos sobre lucro.